Concerto da Amizade — Parte II

Pauta Musical
5 min readOct 31, 2020

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Um dos 4 concertos para violino mais importantes do romantismo alemão! A solista Anne-Sophie Mutter ao lado da Berliner Philharmoniker (Orquestra Filarmônica de Berlim), regida por Herbert von Karajan, interpreta o Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior Op. 77, de Johannes Brahms.

(Violin is a painting by Art Bilodeau)

Nesta nota você tem acesso à playlist completa, excertos do roteiro e links para baixar os arquivos de áudio. Esta edição foi transmitida nos dias 31 de outubro e 1º de novembro de 2020, às 7h30 e às 22h, respectivamente, na Rádio Câmara FM 96,9, com apresentação de Ana Lucia Andrade.

Bloco 1

Bloco 2

Bloco 3

Bloco 4

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Playlist

Concerto para Violino e Orquestra

em Ré Maior Op. 77 (Brahms)

Anne-Sophie Mutter (violino)

Orquestra Filarmônica de Berlim

Herbert von Karajan (regente)

Roteiro (excertos)

Uma autêntica obra artística é algo que afeta os sentidos e se oferece ao espírito. Uma criação humana com objetivo simbólico, conceitual, representativo e que se difere de um objeto comum. Nas palavras de Kandinsky, pintor e teórico de arte nascido na Rússia, “toda obra de arte é filha de seu tempo e, muitas vezes, mãe de nossos sentimentos”. Talvez seja ela o maior suporte para a subjetividade de seu criador, que nela imprime indelevelmente alguns de seus traços e características pessoais. A existência da obra, contudo, apesar de ser parte da existência do autor e, às vezes, até certo ponto com ela se confundir, também tem, por assim dizer, uma vida própria, independente: a obra tem sua história!

Quando se fala dos maiores dentre os grandes concertos para violino do romantismo alemão, se refere, sobretudo, a 4 obras em particular: o concerto para violino de Ludwig van Beethoven (composto em 1806), o de Felix Mendelssohn (1844), o de Max Bruch (1866) e o de Johannes Brahms (1878).

A história do concerto para violino de Brahms o individualiza como um dos mais episódicos dentre tantos outros até hoje compostos. Escrita durante o verão austríaco daquele ano de 1878 para seu grande amigo e grande violinista húngaro Joseph Joachim, a quem a obra foi dedicada, cumpriu desde logo dois refinados propósitos: foi a forma encontrada para retribuir a essencial colaboração de Joachim na composição do concerto e, certamente, uma deferência ocorrida no passado, quando a Brahms, Joachim havia dedicado seu virtuoso, belíssimo e dificílimo Concerto para Violino em Ré Menor “no estilo húngaro” Op. 11.

Apesar de contar com a ajuda do especialista, o processo de composição do concerto de Brahms foi complexo. Joachim propôs, e emplacou, uma série de alterações na partitura, além de ter imortalizado a cadência do primeiro movimento do concerto, com uma performance brilhante, recheada de habilidades técnicas e artísticas.

Joachim foi um dos maiores e mais influentes violinistas de todos os tempos. Em sua estreita amizade com Brahms, foi também seu grande colaborador, principalmente no que tange à técnica violinística de suas composições. O concerto para violino e orquestra, de Brahms, é obra emblemática dessa colaboração. Em seus 3 andamentos, numa disposição perfeitamente clássica, o concerto inicia um tanto sombrio e muito pouco revela a exuberância que virá adiante.

Na estreia do Concerto para Violino e Orquestra, de Brahms, seu único concerto para o instrumento, o famoso maestro Hans von Büllow, pianista e compositor, declarou que a obra não era bem para violino, mas “contra o violino”, referindo-se ao que outros também referiram, inclusive Joseph Hellmesberger, maestro, compositor e violinista, conforme o que, a obra era intocável. O grande violinista espanhol Pablo de Sarasate se recusava a tocar a obra. Ao que consta, não porque a considerasse intocável, mas porque tinha certo ciúme e não aceitava permanecer em pé no podium, violino na mão, durante o solo de oboé do segundo movimento.

A obra é magistral, sem dúvida uma das mais difíceis do repertório violinístico e uma das preferidas, mais executadas por intérpretes de excelência. Uma das mais apreciadas por todos os tipos de público. A première foi em Leipzig, 1879, com Brahms na regência, à frente da orquestra e ao lado do solista Joachim, que insistiu em abrir o espetáculo com o concerto para violino de Beethoven, escrito na mesma tonalidade de Ré Maior. Um consagrado, outro inédito, ambos particularmente difíceis e incríveis.

À parte de certas críticas, algumas modificações ainda foram feitas antes da publicação, naquele mesmo ano. Ao que parece, Brahms tinha expectativas musicais muito acima do que produzir meramente um canal convencional para as demonstrações e ostentações de habilidades do solista. O solo de oboé na exposição da melodia passional, apoiado por outros instrumentos de sopro e em diálogo com o violino, sob determinado prisma é um momento de quase duplo concerto.

Amigos íntimos desde os anos de juventude, Brahms e Joachim também mantiveram a estreita e profícua colaboração profissional até a ocasião do divórcio de Joachim. Ao tomar o partido da esposa do amigo, houve uma séria interrupção da amizade entre os dois. Mas a verdadeira amizade a tudo resiste! Passado o calor da contenda, Brahms aproveitou a intenção de compor uma obra solo para o violoncelista Robert Hausmann e, a fim de lançar a semente da reconciliação, incorporou sutilmente um tema de um dos concertos para violino de Giovanni Viotti sabidamente do agrado de Joachim, arquitetando um duplo concerto, para violino e violoncelo, apoiado nas técnicas e talentos de Hausmann e Joachim: o famoso Concerto Duplo para Violino, Violoncelo e Orquestra em Lá Menor.

Arte musical e destreza para restaurar esgarçadas relações humanas, reavivando sentimentos e afetos abatidos por embates do cotidiano! Ainda por cima, com uma obra prima! Uma vez concluída, Brahms submeteu a partitura à apreciação de Joachim para habitual intervenção, como nos velhos tempos em que mantinham o espírito de colaboração e os ensaios ocorreram na casa da amiga em comum: Clara, viúva de Schumann. A première teve Hausmann e Joachim regidos pelo próprio Brahms. As ligações musicais e fraternais que benéfica, mútua e estreitamente aproximaram Joachim e Brahms foram a tal ponto fortes que, da mesma forma que a Joachim, Brahms deve um tributo de qualidade, a Brahms, Joachim deve um contributo estético.

Para o apreciador, uma peça musical é um momento de beleza, uma oportunidade de puro deleite, por intermédio de uma experiência essencialmente individual. Intangível e subjetiva. Como um rio que flui, a obra musical é diferente a cada execução, mesmo estando gravada. É diferentemente percebida por um a um de seus ouvintes no tempo e no espaço. É uma mensagem autônoma que, um dia, um compositor deu ao mundo. Que, no curso de sua trajetória, descreve sua história. É subjetivismo por meio de objeto concreto. É una e polivalente! Esta é uma das riquezas da arte musical, que Brahms explorou como um gênio e na qual seu Concerto para Violino e Orquestra se constitui em joia rara.

Pauta Musical, um passeio pela magia da música erudita! Uma produção da Musicabile em parceria com a Rádio Câmara — Brasília, Governo Federal. Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, transmitido pela rede legislativa e rádios parceiras em todo o Brasil. Direção e apresentação: Ana Lucia Andrade. Trabalhos técnicos: Ricardo Coelho. Cooperação: Embaixada da República Federal da Alemanha, no Brasil. Acompanhe, curta e compartilhe! Envie comentários e sugestões pela página oficial da Rádio e página oficial do programa no Facebook. Para ouvir novamente, ou ao vivo pela internet, acesse: radio.camara.leg.br

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Programa temático, educativo e cultural voltado à formação de plateia em música erudita, no ar desde 2008 pela Rádio Câmara em Brasília e 2600 rádios parceiras.

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