Da Tragédia ao Triunfo

Pauta Musical
5 min readSep 7, 2023

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Da tragédia ao triunfo! Dupla homenagem a Sergei Rachmaninoff, nestes 150 anos de seu nascimento e 80 anos de sua partida, em duas edições comemorativas. Nesta primeira, a Sinfonia n. 1 em Ré menor, interpretada pela Philadelphia Orchestra regida por Yannick Nézet-Séguin.

Sergei Rachmaninoff | 20th century Russian composer, pianist and conductor Sergey Rachmaninoff drawn with Adobe Fresco by Linda Evans Davis on iPad Pro.

Nesta nota você tem acesso à playlist completa e excertos do roteiro. Esta edição foi transmitida nos dias 09 e 10 de setembro de 2023, às 7h30 e às 22h, respectivamente, na Rádio Câmara FM 96,9, com apresentação de Ana Lucia Andrade. Para ouvir o programa em streaming clique AQUI.

Playlist

Sinfonia n. 1 em Ré menor Op. 13 (Rachmaninoff)

Philadelphia Orchestra

Yannick Nézet-Séguin (regente)

Roteiro (excertos)

Em certa medida, todo jovem artista precisa de uma mão bondosa daquele que é mais experiente e já vem na estrada há mais tempo. No início de sua carreira, foi exatamente o que Rachmaninoff, aos 19 anos de idade, encontrou em Tchaikovsky, abrindo-lhe uma oportunidade de ouro e as portas para o sucesso. Faz parte de todo bom e desejável processo educacional, na formação de indivíduos cidadãos e de profissionais de carreira, que um discípulo receba por ofício de seu mestre o primeiro bom empurrão. Anseio de um e dever do outro. Mais que a simples forma de aconselhar sobre como e quando dar os primeiros passos, Tchaikovsky conseguiu que a primeira ópera do novato fosse apresentada no Teatro Imperial ao lado de uma das suas. Era o ano de 1892, quando Rachmaninoff também se diplomou no Conservatório de Moscou, e sua promissora carreira tinha início. Muito lhe veio com certa facilidade, mas não sem os percalços próprios de qualquer caminho. A vida lhe daria um outro e decisivo empurrão. Em 1895, anos depois daquela que mais tarde ficou conhecida como Sinfonia da Juventude, compilada a partir de fragmentos escritos nos tempos de Conservatório, Rachmaninoff cria sua Sinfonia n. 1. A estreia foi um desastre completo, com consequências pesadas que se fizeram abater na saúde do compositor, mas que apesar de sua má recepção inicial, passou a ser vista como uma representação dinâmica da tradição sinfônica russa. Conforme declarou o compositor britânico Robert Simpson, “uma obra poderosa por si só, proveniente de Borodin e de Tchaikovsky, mas convicta, individual, finamente construída, e tendo alcançado uma expressão genuinamente trágica e heroica que está muito acima do pathos de sua música posterior.”

Em 1896, encorajado por Taneyev e Glazunov, o notável filantropo e mecenas Mitrofan Belyayev programou a Sinfonia n. 1 de Rachmaninoff na temporada de 1897 dos Concertos Sinfônicos Russos, série destinada à execução de obras orquestrais de jovens compositores russos. Belyayev também publicava e divulgava obras de compatriotas com recursos próprios, além de ter fundado o Círculo Belyayev encabeçado por Rimsky-Korsakov, integrante do Grupo dos Cinco. A estreia em São Petersburgo, sob a regência de Glazunov, foi desastrosa e constrangedora por duas razões principais: a falta de ensaios necessários e a condução de um regente embriagado. Ao passo que a regência não era o seu forte, o respeitado e talentoso compositor Glazunov, conforme dito pelo aluno Shostakovich, bebia durante as aulas através de um tubo escondido atrás de sua mesa no Conservatório de São Petersburgo. Para completar, César Cui, também do Grupo dos Cinco, desqualificou a obra e o compositor no jornal em crítica que dizia que: “Se houvesse um conservatório no inferno, e se um dos seus alunos talentosos tivesse de compor uma sinfonia baseada na história das dez pragas do Egito, e se compusesse uma sinfonia como a do Sr. Rachmaninoff, ele teria cumprido sua tarefa de forma brilhante e iria deliciar os habitantes do inferno”. Mas a vida dá voltas e infalivelmente faz justiça!

Por alguns motivos, a Primeira Sinfonia de Rachmaninoff se mostrou ao mesmo tempo fatídica e profética. Está permeada pelo cantochão medieval Dies Irae (Dia da ira), que utilizou em tantas de suas composições, além do que o manuscrito original supostamente continha a seguinte citação bíblica como epígrafe: (Romanos, 12:19) “Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor”. A catástrofe vem e quase arruína a carreira do compositor, ao que a triscaidecafobia poderia acrescentar que o número do opus é 13. Mas vem releitura, vem reconsideração e vem reconhecimento. Vem, também, Rachmaninoff revisitado: a obra nunca mais foi apresentada enquanto ele viveu; as partes orquestrais, alteradas pela mão de Glazunov, foram descobertas no Arquivo Belyayev e reconstruída a partitura para uma segunda execução em 1945. Em 1977, foi publicada uma edição crítica baseada na versão para dois pianos do fim do século XIX, restaurando a obra ao seu estado original, antes das modificações de Glazunov, e base para execuções posteriores.

O tamanho choque e as violentas críticas, abalaram a autoconfiança de Rachmaninoff por anos. Hipnotismo e outros tratamentos psicoterapêuticos funcionaram e levaram à composição de seu popular Concerto para Piano n. 2. Sua autoestima também fora restaurada num longo encontro com Tolstoy, que o estimulou a seguir em frente: “Meu jovem (disse o escritor), você acha que tudo na minha vida corre suavemente? Você acha que eu não tenho problemas, nunca hesito ou perco a confiança em mim mesmo? Você realmente acha que minha convicção é sempre igualmente forte? Todos nós temos momentos difíceis, mas esta é a vida. Mantenha a cabeça erguida, e continue em seu caminho determinado.” Romanos 12:19, de São Paulo, serviu anteriormente como epígrafe de Anna Karenina, de Tolstoy. Rachmaninoff voltou a compor e tornou-se um dos maiores compositores do século XX.

Uma vez desdenhada, mais tarde aclamada. No caminho, tempestade e perseverança. Fé e conquista. Escola de vida. De aprendiz a mestre, de iniciante a expert. A Primeira Sinfonia de Rachmaninoff passou a ser executada com frequência e gravada várias vezes, tida como vibrante representação da civilização e cultura russas, reconhecida por suas fluidas, saudosas e expressivas características. Composição e compositor: da tragédia ao triunfo.

Até a próxima edição, em mais um passeio pela magia da música erudita! Uma produção da MUSICABILE em parceria com a Rádio Câmara — Brasília, Governo Federal. Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, transmitido pela rede legislativa e rádios parceiras em todo o Brasil. Direção e apresentação: Ana Lucia Andrade. Trabalhos técnicos: Ricardo Coelho. Acompanhe, curta, compartilhe! Envie comentários e sugestões pelas redes sociais da Rádio e redes sociais do programa. Para ouvir novamente, ou ao vivo pela internet, acesse radio.camara.leg.br

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Programa temático, educativo e cultural voltado à formação de plateia em música erudita, no ar desde 2008 pela Rádio Câmara em Brasília e 2600 rádios parceiras.

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