O Carnaval dos Animais

Pauta Musical
6 min readFeb 20, 2023

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Máscara e fantasia no programa Pauta Musical deste fim de semana. Em clima carnavalesco da era romântica, vamos brincar ao som do século XIX com personagens da suíte orquestral O Carnaval dos Animais, de Saint-Saëns; O Carnaval Romano, de Berlioz; e Carnaval, de Dvořák. Pianistas Alfons e Aloys Kontarsky, violoncelista Wolfgang Herzer, Filarmônica de Viena regida por Karl Böhm, Philharmonia Orchestra regida por Carlo Maria Giulini e Staatskapelle Dresden regida por Sir Colin Davis.

(https://www.estadao.com.br/cultura/alvaro-siviero/carnaval-dos-animais/)

Nesta nota você tem acesso à playlist completa e excertos do roteiro. Esta edição foi transmitida nos dias 18 e 19 de fevereiro de 2023, às 7h30 e às 22h, respectivamente, na Rádio Câmara FM 96,9, com apresentação de Ana Lucia Andrade. Para ouvir o programa em streaming clique AQUI.

Playlist

O Carnaval dos Animais (Camille Saint-Saëns)

Wiener Philharmoniker

Karl Böhm (regente)

Alfons e Aloys Kontarsky (pianos)

Wolfgang Herzer (violoncelo)

O Carnaval Romano Op. 9 (Hector Berlioz)

Staatskapelle Dresden

Sir Colin Davis (regente)

Carnaval Op. 92 (Antonín Dvořák)

Philharmonia Orchestra

Carlo Maria Giulini (regente)

Roteiro (excertos)

Cada coisa a seu tempo e lugar, cada causa à sua razão de ser e desígnio. Ciclos, círculos… A roda da vida gira sem parar. O encadeamento e desdobramento de feitos e ocorrências na história do Homem sempre nos deu mostra de oportunidades e circunstâncias que favoreceram direções e criações admiráveis. A depender do motivo, do propósito, se a inclinação for para boa coisa, então estamos todos bem. Tempos atrás, a Revolução Francesa ocasionou profundas transformações que abalaram estruturas do pensamento humano, espraiadas também no campo das artes, dentre outras sob a forma de liberdade de expressão. Modificando uma velha mentalidade e atentando para critérios de valor, a música de arte procurava aos poucos expandir para além dos salões e palácios, alcançando uma nova classe social em ascensão, conquistando um novo público ávido de uma nova estética. Ante a preocupação do Classicismo pelo equilíbrio entre estrutura formal e expressividade, os compositores do Romantismo buscavam maior liberdade da forma e maior intensidade de expressão, vigorosa emotividade reveladora de seus sentimentos mais profundos, incluindo sofrimentos. Quadros e livros foram frequente motivo de inspiração para partituras. Dentre as muitas ideias que exerciam enorme fascínio no imaginário de compositores da era romântica, há destaque para o passado distante, a noite, os sonhos, o amor, a natureza, as terras exóticas, os contos de fadas, as lendas, o mistério e o sobrenatural. Em tempos de carnaval, de galhofas mil, das brincadeiras de salão, o romantismo produziu peças musicais incríveis. Da irreverência salteada com genialidade, o francês Camille Saint-Saëns compôs uma divertida “Grande Fantasia Zoológica” que apesar do aparente caráter nada tem de infantil ou inocente, mas de pura crítica ao cenário musical parisiense do final do século XIX. Cheia de referências cômicas ao acervo de outros compositores e à sua própria Dança Macabra, de gênero fantástico, que se ouve ao fundo, proibiu a publicação da obra em vida, temendo que uma frivolidade arruinasse sua reputação de compositor sério. À exceção, apenas um famoso movimento, O Cisne, foi publicado.

Fevereiro, 1886. Recolhido num vilarejo da Áustria, depois de desastrosa turnê de concertos na Alemanha, Saint-Saëns compõe O Carnaval dos Animais originalmente para 2 pianos e orquestra de câmara. Escreve aos editores em Paris confessando trabalhar numa partitura a ser apresentada na terça-feira gorda de carnaval ao invés de se dedicar à sua terceira sinfonia. Apesar de suposta intenção de ter concebido a suíte orquestral para os estudos de seus alunos, durante a sua vida, só houve performances em concertos praticamente de audiência privada, que chegaram a incluir Franz Liszt. Já foi dito sobre O Carnaval dos Animais que a música pode ser espirituosa, cômica, satírica ou grotesca. Talvez dependa do carnaval que queremos. Anos depois do falecimento do compositor, o poeta Ogden Nash, incentivado pelo maestro André Kostelanetz, escreveu versos para a suíte, que serviram de narração em versão também gravada. Novos versos vieram depois, de outros punhos.

Com Beethoven como precursor, desde o século XVIII, o século XIX abrigou o apogeu do romantismo, onde a valorização do obscuro, do sombrio, do melancólico e do sofrimento, estava no auge em vários ramos das artes. O Carnaval Romano de Berlioz estreou em Paris, 1844. Abertura de concerto, a partitura utiliza temas de sua ópera Benvenuto Cellini, o artista florentino da renascença, cuja mais famosa escultura é a de Perseu erguendo a cabeça decepada de Medusa. Escrita para grande orquestra, a obra inclui motivos da cena do carnaval de 1532 contida na ópera e é uma das mais populares aberturas do compositor. Em vida, o francês Berlioz foi mais conhecido como regente do que como compositor. Não conseguia boa aceitação de sua arte, a miséria era constante companheira, e outras atividades, como crítico musical de publicações parisienses e de bibliotecário do Conservatório de Paris, constituíam fontes de renda. Tinha em seu círculo de amigos os ilustres Alexandre Dumas, Victor Hugo e Honoré de Balzac. Era fascinado pelo monumental e desmedido. Se por um lado isso prejudicou sensivelmente a estética de suas composições, por outro, acabou levando à revolução da técnica orquestral.

Grandes temas literários, majestosas obras das artes plásticas e as mais genuínas e sublimes obras-primas da natureza, ao lado de acontecimentos históricos, serviram de larga influência ao romantismo musical oitocentista. Naquele período, alguns dos mais renomados compositores, inspirados por variadas fontes, contaram e retrataram histórias com tintas musicais de outros carnavais. Aquele século XIX viu o compositor tcheco Antonín Dvořák, nascido no interior, 1841, despertar muito cedo, ainda criança, para sua vocação musical. Filho de um modesto comerciante, só um pouco mais tarde pode realizar os primeiros estudos que, aliados ao imenso talento, fatalmente o levaram à glória. Mesmo já instalado em Praga, a vida de sacrifícios, antes da fama e do sucesso, só começava a dar sinais de alívio com o prêmio pela composição de um hino patriótico, em 1873. Inicialmente influenciado por Wagner e Liszt, abraçou o movimento nacionalista tcheco, iniciado por Smetana. A popularidade, o reconhecimento e as honrarias se tornaram tão comuns, a ponto de, àquela época, cruzar o Atlântico. Grande como ele, a glória em vida o acompanhou até o fim, como herói nacional. Sempre viva, sua obra congrega o pós-romantismo alemão de Brahms e a tradição folclórica eslava. A abertura Carnaval, composta em 1891, é o segundo elemento de enlaces temáticos das aberturas de concerto que formam o ciclo Natureza, Vida e Amor, 3 obras planejadas numa tríade que reúne o Reino da Natureza, Carnaval e Otelo. Em linhas gerais, uma abertura é uma peça orquestral que se presta a iniciar uma obra mais longa, como a ópera, e que também pode ser concebida como obra completa em si própria, para apresentação em concerto. O Carnaval tcheco de Dvořák começa e termina com o mesmo espírito festivo ao incorporar a atmosfera que o título sugere, embora, escrita logo após o Requiem, talvez reflita um modo com que o Homem mascara o terror da morte.

Dentre nós, quem ouve esta misteriosa, mágica e cinematográfica trilha e não se lembra de Harry Potter?… No carnaval regido pelo calendário lunar do cristianismo medieval as festas eram marcadas pelo “adeus à carne” ou “carne vale”, abstenção da carne. O carnaval antecede ao jejum da Quaresma, período em que não havia consumo de carne, hoje restrito à Sexta-feira Santa. Pandemia viral à parte, máscara e carnaval é associação inevitável. De origem religiosa, as máscaras são quase tão antigas quanto a Humanidade, na representação de deuses e elementos da natureza. O elegante Carnaval de Veneza surgiu no século XVII, com uma tradição da nobreza em usar de disfarce para sair e se misturar com o povo. As máscaras carnavalescas são o elemento mais importante daquela manifestação, que ainda integra conhecidos personagens da Comédia Dell’Arte: Pantaleão, velho mercador de Veneza; o espertalhão Arlequim; Pierrô, e a lágrima derramada pelo amor da Colombina. Seja qual for o disfarce, o grande trunfo do mascarado está no seu completo anonimato, o que também permite a sublimação de complexos e a exposição do próprio ego. Ontem, hoje e sempre, fora da brincadeira a melhor parte é poder ser contraparte, desnuda de máscaras.

Pauta Musical, um passeio pela magia da música erudita! Uma produção da Musicabile em parceria com a Rádio Câmara — Brasília, Governo Federal. Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, transmitido pela rede legislativa e rádios parceiras em todo o Brasil. Direção e apresentação: Ana Lucia Andrade. Trabalhos técnicos: Ricardo Coelho. Acompanhe, curta e compartilhe! Envie comentários e sugestões pela página oficial da Rádio e página oficial do programa no Facebook. Para ouvir novamente, ou ao vivo pela internet, acesse: radio.camara.leg.br

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Programa temático, educativo e cultural voltado à formação de plateia em música erudita, no ar desde 2008 pela Rádio Câmara em Brasília e 2600 rádios parceiras.

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