O Músico e o Marquês

Pauta Musical
5 min readMay 26, 2023

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Música do século XVIII para o futuro interestelar, nesta edição do programa Pauta Musical. Uma obra que já viaja no espaço há mais de 40 anos como expressão do povo da Terra. Münchener Bach-Orchester e solistas, regidos por Karl Richter, na interpretação dos Concertos de Brandenburgo n. 2, n. 4 e n. 5, de J.S. Bach. Cooperação: Embaixada da República Federal da Alemanha, no Brasil.

1392 Deckblatt der Brandenburgischen Konzerte

Nesta nota você tem acesso à playlist completa e excertos do roteiro. Esta edição foi transmitida nos dias 20 e 21 de maio de 2023, às 7h30 e às 22h, respectivamente, na Rádio Câmara FM 96,9, com apresentação de Ana Lucia Andrade. Para ouvir o programa AQUI.

Playlist

Brandenburgisch Konzert n. 2 F-DUR BWV 1047 (Bach)
Brandenburgisch Konzert n. 4 G-DUR BWV 1049 I. e III. (Bach)
Brandenburgisch Konzert n. 5 D-DUR BWV 1050 (Bach)

Münchener Bach-Orchester
Karl Richter (regente)

Roteiro (excertos)

No período barroco, J. S. Bach criou um conjunto de 6 peças que se tornou uma das obras mais importantes do repertório orquestral, de alto padrão e grau de distinção, de grande popularidade e deleite musical. A origem e as circunstâncias que marcaram, para sempre, a história dos Concertos de Brandenburgo têm sido, até hoje, constante objeto de investigação acadêmica. Assim como acontece com a matemática, a música é considerada uma genuína linguagem universal. Na fascinante busca do Homem por vida fora da Terra, o programa espacial que lançou 2 sondas Voyager em 1977 para estudar o Sistema Solar e depois o espaço interestelar, enviou com elas um disco dourado com diversos registros de nosso planeta que incluem um seleto rol de músicas representativas de nosso povo, a começar pelo primeiro movimento do Concerto de Brandenburgo n. 2, interpretado pela Münchener Bach-Orchester e solistas, regidos pelo maestro Karl Richter. Não é difícil imaginar trombetas no céu, desta vez soando em perfeita harmonia com outros instrumentos solistas numa composição do século XVIII e sonhar que nosso cartão de visita a seres extraterrestres esteja afinado com o diapasão da música das esferas, que postula a existência de uma harmonia divina e matemática entre o macrocosmo e o microcosmo.

Alemanha, 1717. Bach era dispensado de seus serviços na corte ducal de Weimar, com a consequente prisão, durante um mês, por deslealdade ao Duque, visto que especulava outro posto profissional na corte de Köthen. Àquela época, buscar empregos mais rendosos poderia causar problemas taxando os pretendentes de traidores. Era uma época em que as cortes europeias, de maior ou menor importância, mantinham conjuntos musicais como sinal de prestígio, o que também fomentou uma demanda por concertos instrumentais como forma de entretenimento para nobres patronos e seus convidados. Apesar de meio briguento, e verdadeiro deus da música, Bach não era vaidoso, tampouco tolo, e sabia perfeitamente de suas qualidades e valor como intérprete, compositor e regente. Esteve sempre em busca de salários melhores, compatíveis com suas habilidades e, também com o tamanho de sua prole, que chegou a incríveis 20 filhos. Quando chegou à corte do Príncipe Leopold, de Köthen, pensou ter chegado a uma espécie de "terra prometida", já que o príncipe era um ardente amante da música e atuante músico amador com excelentes instrumentistas vindos de Berlim para integrar o conjunto de câmara da corte. Leopold providenciou para que tudo estivesse em ordem e corresse bem, assim como abrigou Bach no palácio e lhe pagava um dos maiores salários da corte. Àquele tempo atribui-se a composição dos Concertos de Brandenburgo, dedicados um pouco mais tarde ao Marquês Christian Ludwig. A capa dos Concertos que traz a dedicatória ao nobre de Brandenburgo, inscreve originalmente como título da coleção: Seis Concertos com Vários Instrumentos. Uma compilação de obras com amplo espectro instrumental em combinações ousadas para a época e que, uma vez reunidas, serviram estrategicamente de cortesia que favorecesse a concessão de um novo e almejado posto de trabalho solicitado ao Marquês e, ainda assim, por ele negado.

Os Concertos de Brandenburgo, concebidos na forma musical do barroco tardio como via de expressão para os sentimentos, além de reafirmarem a maestria polifônica do compositor, são amplamente considerados como expoentes de seu tempo e figuram entre os clássicos mais populares. Escritas para o tamanho e qualidade do conjunto de câmara que havia em Köthen, instrumentistas habilidosos para os solos e munidos do espírito de grupo que a obra exige, Bach criava obras acima das capacidades dos músicos comuns. O príncipe participava regularmente das atividades musicais, visto que era um competente gambista e violinista. À certa altura, o caprichoso Bach lhe solicitou a compra de um órgão. Leopold já despendia um bom dinheiro para manter cerca de 17 músicos e o pedido foi rejeitado. Foi então que o destemido Bach não exitou em procurar Christian Ludwig. Compilou as peças mais tarde batizadas de Concertos de Brandenburgo, dedicou ao marquês junto ao pedido de um novo posto de trabalho, por sua vez, também rejeitado. Coisas da vida, e a história não termina aí: talvez somente assim Bach tenha podido assumir altos postos em Leipzig alguns anos mais tarde, passando de Kapellmeister a Kantor e diretor do Collegium Musicum. O Concerto n. 5 é vitrine perfeita das qualidades de um bom cravo e da virtuosidade de seu intérprete, especialmente na longa, impressionante e difícil cadenza do primeiro movimento, visto por estudiosos como precursora do concerto para teclado solo.

Quando Bach se apresentou ao Marquês de Brandenburgo com o manuscrito encadernado contendo os 6 concertos, outro curso o destino reservava para essa magnífica obra: se não valia como curriculum para um novo emprego, se o marquês – apesar de apreciador das artes – teve outro motivo para arquivar as partituras, só encontradas mais tarde, depois de sua morte em 1732, na apuração de seu inventário e vendidas por uma ninharia, jamais poderia ele imaginar que se tratava de uma obra prima de referência da música barroca, publicada no centenário da morte de Bach em 1850 e capaz de mover as pessoas até hoje. O manuscrito quase se perdeu durante um bombardeio aéreo na Segunda Guerra Mundial, quando um bibliotecário que o transportava para um lugar seguro escapou do trem para uma floresta à margem com a encadernação escondida por debaixo do casaco. Quanta emoção acompanha a história da obra, rememorando que o disco de ouro das 2 sondas Voyager que viajam nas fronteiras do espaço com uma variedade de registros da Terra inclui o primeiro movimento do Concerto de Brandenburgo n. 2, abrindo o playlist musical. Quem sabe não esteja longe o dia em que partituras sublimes ao lado de canções de baleias que se fazem ouvir cruzando os 7 mares, comuniquem em sinal de vida nesta declaração simbólica, como chamou o cientista Carl Sagan, a saudação terráquea contida a bordo em português brasileiro, ilustrada pela imagem do Cristo Redentor no alto do Corcovado: "Paz e felicidade a todos!".

Pauta Musical, um passeio pela magia da música erudita! Uma produção da Musicabile em parceria com a Rádio Câmara - Brasília, Governo Federal. Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, transmitido pela rede legislativa e rádios parceiras em todo o Brasil. Direção e apresentação: Ana Lucia Andrade. Trabalhos técnicos: Ricardo Coelho. Cooperação: Embaixada da República Federal da Alemanha, no Brasil. Acompanhe, curta e compartilhe! Envie comentários e sugestões pela página oficial da Rádio e página oficial do programa no Facebook. Para ouvir novamente, ou ao vivo pela internet, acesse: radio.camara.leg.br

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Programa temático, educativo e cultural voltado à formação de plateia em música erudita, no ar desde 2008 pela Rádio Câmara em Brasília e 2600 rádios parceiras.

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