Oré-Jacytatá

Pauta Musical
6 min readNov 24, 2020

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Tributo à Bandeira Nacional, nas celebrações do Dia da Bandeira. Um mapa sonoro do firmamento brasileiro. Música do céu do Brasil, das estrelas e constelações da Bandeira Brasileira, em obras de Almeida Prado e Ronaldo Miranda. Violinista Constança Almeida Prado e Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, regida por Silvio Barbato.

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Nesta nota você tem acesso à playlist completa, excertos do roteiro e links para baixar os arquivos de áudio. Esta edição foi transmitida nos dias 21e 22 de novembro de 2020, às 7h30 e às 22h, respectivamente, na Rádio Câmara FM 96,9, com apresentação de Ana Lucia Andrade.

Bloco 1

Bloco 2

Bloco 3

Bloco 4

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Playlist

Oré-Jacytatá Cartas Celestes n. 8 (Almeida Prado)

Constança Almeida Prado (violino)

Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro

Silvio Barbato (regente)

Sinfonia 2000 (Ronaldo Miranda)

Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro

Silvio Barbato (regente)

Roteiro (excertos)

Ouvir estrelas! O céu paira tão profundo mistério que, até então, a ciência ainda tenta desvendar. Quanta grandeza guarda o universo e, somente os olhos da fé, fornecem a explicação: Deus, arquiteto divino e mestre de todos, a animar cada átomo de tudo que há. Dos seres vivos na Terra aos astros do firmamento e ao infinito contínuo. Se a contagem do tempo e a medição do espaço não encontram limite, se em todas as coisas há um quê desconhecido, uma única certeza se impõe: tudo o que somos, tudo o que sabemos, vem de alguém! Poucos olham para dentro, todos nós olhamos para cima, buscando as inúmeras respostas para nossas incontáveis perguntas sobre a existência.

O icônico ano 2000 foi um momento ímpar de celebrações em todo o mundo e um marco especial na sociedade brasileira. Trazia com ele o encerramento do século 20, a chegada do terceiro milênio e a transição para uma nova era. Era um momento de intensa reflexão sobre a história e cultura brasileira que, no plano musical, culminou com 5 novas partituras especialmente criadas para celebrar os 500 Anos do Descobrimento do Brasil.

No quadrante da música erudita, uma comissão de 7 maestros brasileiros, convocada por um comitê executivo do Ministério da Cultura, indicou 5 compositores também brasileiros, obedecendo um critério de diversidade estética e de propostas musicais distintas, para a composição de 5 sinfonias alusivas aos 5 séculos de nossa Pátria. Filhos deste solo e mãe gentil, muitos e valiosos talentos brasileiros certamente honrariam com peças musicais de qualidade, e sob estilos próprios, a representatividade da efeméride.

As sinfonias que foram especial e simultaneamente compostas para a ocasião, obras de alto significado musical, nasceram da força criativa dos extraordinários músicos Edino Krieger, Ronaldo Miranda, Egberto Gismonti, Jorge Antunes e Almeida Prado. Para o maestro Silvio Barbato, membro da comissão ministerial, as 5 obras sintetizam a tradição dos sinfonistas brasileiros Claudio Santoro e Villa-Lobos, de gerações imediatamente anteriores, bem como, ainda sob o aspecto histórico, aquela iniciativa cultural correspondia a exemplos como o de Mozart ao sintetizar o modelo clássico em 6 quartetos de cordas dedicados a Haydn, homenageado classicista, considerado o pai daquela formação musical.

As Sinfonias dos 500 Anos se voltam à natureza e aos povos nativos, ao lírico e ao lúdico, ao sonho e à esperança chamados Brasil. Amar e ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas: a inspiração extraída dos famosos versos do décimo terceiro soneto de Via Láctea, poema de Olavo Bilac, gerou a abstração multifônica de Almeida Prado a explorar o céu da Bandeira Brasileira.

Concebida como sinfonia e concerto integrados numa só obra, sinfonia concertante para violino e orquestra, Oré-Jacytatá Cartas Celestes n. 8 é o mapa sonoro das estrelas e constelações do Pavilhão Nacional, representadas pelo reluzente sentimento e ouvido patriota do compositor. Em tupi-guarani, Oré-Jacytatá quer dizer “Nossas Estrelas”. E tudo começa no esplendor do firmamento que iluminava o encartado olhar de Pedro Álvares Cabral.

O paulista Almeida Prado, criador de obras inspiradas em corpos celestes, plantas e animais, dentre outras, foi considerado um grande músico brasileiro de sólida formação cultural e carreira nacional e internacional, com trânsito em várias tendências musicais, sem jamais ter fugido às raízes de sua pátria. Sua percepção e capacidade investigativa do universo estético contemporâneo ao sabor de um rico e expressivo estilo fizeram dele um dos mais celebrados e reconhecidos artistas de nosso tempo.

Compositor, pianista e professor, com trajetória definida em ao menos 4 etapas distintas: nacionalista, universalista, ecológica/astronômica (que coincide com sua volta da Europa) e pós-moderna (marcada por um tonalismo livre), Almeida Prado, discípulo de mestres de renome como Camargo Guarnieri, Osvaldo Lacerda, Nadia Boulanger, Olivier Messiaen, György Ligeti e Lukas Foss, também foi considerado um dos maiores expoentes da música erudita brasileira. Lacerda, Villa-Lobos e Guarnieri lhe deixaram grande influência, assim como Messiaen lhe deixou música religiosa como herença. Almeida Prado dizia não ter ensinado composição a seus alunos, mas tão somente os subsídios técnicos a serem aplicados a um dom já existente.

A sinfonia Oré-Jacytatá, em seus 7 movimentos, é uma das obras mais conhecidas do autor. Estreou na Sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, e foi dedicada às filhas, dentre as quais, Constança Almeida Prado, violinista solista desta gravação.

Além de ter dialogado com diversas vertentes, ministrado cursos em conservatórios e importantes instituições acadêmicas, dado aulas de análise musical e apresentado programa musical na Rádio Cultura FM, Almeida Prado, em tudo que fazia, demonstrava seu amor reverenciado e incondicional pela música.

Depois de um turbilhão de texturas orquestrais mutantes, luzes em guirlandas siderais e contrastes harmônicos, uma cadência galáctica no solo de violino reúne os temas da obra, que finaliza fulgurante como o sol da esperança do terceiro milênio.

A Sinfonia 2000, de Ronaldo Miranda, ao mesmo tempo em que celebra os 500 Anos do Descobrimento do Brasil, comemora a chegada do novo milênio e tremula flamejante a Bandeira Brasileira. Com perfil de apelo nacional e universal, a obra é a fusão de técnicas e estilos contemporâneos, concebida por esse representante de uma nova geração de compositores brasileiros. Os temas que identificam a nossa cultura, por vezes se mesclam a uma linguagem universal, presente na estética sonora do século XX.

Uma introdução intensa e dramática, e o primeiro movimento evolui sob a atmosfera de 2 temas contrastantes. Na sequência, um clima latino-americano e afro-brasileiro, no minimalista segundo movimento. A sinfonia guarda em seu terceiro e último movimento o que Barbato chamou de símbolo e apoteose. O desenvolvimento acontece a partir de um tema do folclore nacional. A ciranda que Villa-Lobos também contemplou em seu Guia Prático. Depois, uma sequência de 5 variações, contrastantes, culmina numa breve e emocionante citação melódica do Hino à Bandeira, que tem letra de Olavo Bilac e música de Francisco Braga. Uma homenagem de Miranda a Braga.

O ciclo do conhecimento se completa de forma perfeita. Numa atuação em cadeia, recebemos e passamos a chama da vida e a luz do conhecimento. É a arte da existência. Realidades complementares que se transmutam: um está no outro, o outro está no um e a transmutação não acaba nunca, graças a Deus! A herança divina tudo perpassa e segue presente de infinito a infinito. O céu desse gigante Brasil, com suas estrelas falantes, faz parte desse sonoro e astronômico infinito, como uma diminuta e preciosa parte do Criador. O paulista Almeida Prado e o carioca Ronaldo Miranda, brasileiros de projeção internacional, aqui na interpretação da orquestra da Capital Federal, com sinfonias que celebram o país continente, despertam o sentimento de brasilidade e espírito cívico da Pátria Amada que recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil.

Soneto XIII

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

(Via Láctea, 1888. Olavo Bilac)

Pauta Musical, um passeio pela magia da música erudita! Uma produção da Musicabile em parceria com a Rádio Câmara — Brasília, Governo Federal. Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, transmitido pela rede legislativa e rádios parceiras em todo o Brasil. Direção e apresentação: Ana Lucia Andrade. Trabalhos técnicos: Ricardo Coelho. Acompanhe, curta e compartilhe! Envie comentários e sugestões pela página oficial da Rádio e página oficial do programa no Facebook. Para ouvir novamente, ou ao vivo pela internet, acesse: radio.camara.leg.br

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Programa temático, educativo e cultural voltado à formação de plateia em música erudita, no ar desde 2008 pela Rádio Câmara em Brasília e 2600 rádios parceiras.

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