Ressureição — Parte II

Pauta Musical
5 min readMar 16, 2023

--

Uma visão da beleza da vida após a morte, nesta edição do programa Pauta Musical. A eterna e transcendente renovação da existência. Fé, redenção e ressurreição no universo metafísico de um gênio da música universal. Solistas Jennie Tourel e Lee Venora, The Collegiate Chorale e New York Philharmonic sob a regência do maestro Leonard Bernstein, na continuação da Sinfonia n. 2 em Dó Menor “Ressurreição”, de Gustav Mahler.

Imagem: Clouds Heaven Sky — Powerful God | Pixabay

Nesta nota você tem acesso à playlist completa e excertos do roteiro. Esta edição foi transmitida nos dias 18 e 19 de março de 2023, às 7h30 e às 22h, respectivamente, na Rádio Câmara FM 96,9, com apresentação de Ana Lucia Andrade. Para ouvir o programa em streaming clique AQUI.

Playlist

Sinfonia n. 2 em Dó Menor “Ressurreição” (Gustav Mahler)

Jennie Tourel (mezzo-soprano)

Lee Venora (soprano)

The Collegiate Chorale

New York Philharmonic

Leonard Bernstein (regente)

Roteiro (excertos)

A intensa Sinfonia nº 2 em Dó Menor de Mahler, subtitulada “Ressurreição”, foi escrita entre 1888 e 1894. Ao longo desses anos, uma série de circunstâncias afetou o curso de sua composição, além do fato de que Mahler só podia se dedicar a compor no período das férias. O primeiro movimento nasceu como poema sinfônico — de movimento único — intitulado Todtenfeier (Rito Fúnebre), só depois aproveitado para a abertura da “Ressurreição”. Em seguida ao segundo e terceiro movimentos, veio o desejo por um final vocalizado, o que inevitavelmente abriria o flanco para comparação e crítica frente à monumental Nona Sinfonia de Beethoven — sinfonia coral — com versos da “Ode à Alegria” do poeta Friedrich Schiller inserida no último movimento. A primeira a empregar a voz humana numa sinfonia. Superado este receio, ainda restaria encontrar o texto certo para o intento, o que só ocorreu no passamento de Hans von Bülow, o severo maestro de grande nome e importância, a quem Mahler substituía na Ópera de Hamburgo. Impactado pela perda, solucionou o problema ao ouvir no funeral os versos de Die Auferstehung (A Ressurreição), do poeta Friedrich Gottlieb Klopstock. A ele pareceu como um raio em que tudo foi revelado de forma muito clara, conforme dito ao maestro húngaro Anton Seidl, que posteriormente dirigiu a Filarmônica de Nova York, naquele século XIX. Para o clímax da obra, de componente vocal, Mahler usou os primeiros versos do poema de Klopstock, seguidos de versos seus, próprios. Depois, como fez com “O Sermão de Santo Antônio de Pádua aos Peixes”, inseriu outra de suas canções, Urlicht (Luz Primordial), também inspirada na coletânea popular A Trompa Mágica do Menino, para penúltimo movimento. Mahler regeu a estreia da Sinfonia n. 2 “Ressurreição” à frente da Filarmônica de Berlim. Considerava esta sinfonia como a mais representativa dentre as nove que compôs e, até antes de morrer, foi ela a mais executada. Era judeu atraído pelo cristianismo, especialmente pela crença na redenção, e posteriormente se converteu à fé Cristã. A estrutura da Segunda Sinfonia, obra que simbolicamente narra a derrota da morte e a redenção final do ser humano após um período de sofrimentos e incertezas, contraste entre os tons trágico e sereno, poderia ser compreendida da seguinte forma: O primeiro movimento descreve a morte do herói; no segundo, sua vida é relembrada; no terceiro, aparecem as dúvidas quanto à existência e ao destino; no quarto, o herói readquire a fé e a esperança; no quinto, a Ressurreição se dá fervorosa, com renovação eterna e transcendente. Ligando as duas edições que contemplam esta obra, a reapresentação do terceiro movimento: um moto perpetuo que nos leva aos demais.

A cada minuto precisamos decidir o que vamos fazer no minuto seguinte e isto quer dizer que a vida do Homem constitui para ele um problema permanente — disse o filósofo espanhol Ortega y Gasset. O que também faz do Homem uma herança de si próprio. Morremos um pouco a cada instante, mas ressurgimos também a todo momento: do malgrado, da agrura, da intriga, da perda, do medo, do desencontro, da lágrima, da frustração. Há dor, é verdade. Mas, cessa, ensina! E há alegria, brisa no rosto e suavidade! A vida é a partir do que acreditamos e queremos que ela seja. Quanto mais esperamos dela, mais ela há de nos dar.

A vida é confiar na vida que temos, no destino que recebemos. Refinar sentimentos, aprimorar atitudes, superar desafios. Gerar alegrias, valorizar memórias, tirar lições com o passado. Edificar e seguir adiante. Nesta expressiva sinfonia, Mahler nos deixa sua mensagem de esperança face à condição humana. A vida está sempre a trazer novas oportunidades de êxito, embora em alguns momentos esqueçamos disso. Para além disso, no triunfo da vida sobre a morte, a eterna e transcendente renovação da existência. Das cinzas se ressurge após breve repouso, entoa o coro a capella. Palavras exatas podem não chegar para referir o que ressoa como um sino de Deus, o Criador. Um veredito celestial. Batidas magnânimes da mão divina a pulsar a infinitude da existência. A vida é imortal! Quem assim designa é o Todo Poderoso. E que assim seja!

Nada é em vão! “Tudo vale a pena se a alma não é pequena.”, já disse o poeta lusitano Fernando Pessoa. Ao ouvir e compreender esta sinfonia de Mahler, resta patente uma inspiração íntima do compositor pela crença na vida, de imorredouro espírito. Pelo precioso valor cultivado a esta tão sublime dádiva do Criador, ainda mais se considerarmos as circunstâncias de sua história, o destino que cumpriu, e outras obras suas de temática afim, longas e intermináveis sinfonias, de finais inacabáveis, como a infinitude da eternidade. Ressurreição, ou o retorno da morte à vida, é uma possibilidade mágica, milagrosa e representa a síntese dialética que abarca a tese “vida” tanto quanto a antítese “morte”. Lançando mão do universo da arte, um dos muitos mundos possíveis, Mahler edificou um enredo metafísico de beleza estética a nos conduzir a profundas sensações em direção ao mistério da realidade humana, que os milênios ainda não lograram resolver. Até lá, cabem atos de fé e as palavras de nosso mineiro Fernando Sabino: “De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.”

Pauta Musical, um passeio pela magia da música erudita! Uma produção da Musicabile em parceria com a Rádio Câmara — Brasília, Governo Federal. Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, transmitido pela rede legislativa e rádios parceiras em todo o Brasil. Direção e apresentação: Ana Lucia Andrade. Trabalhos técnicos: Ricardo Coelho. Acompanhe, curta e compartilhe! Envie comentários e sugestões pela página oficial da Rádio e página oficial do programa no Facebook. Para ouvir novamente, ou ao vivo pela internet, acesse: radio.camara.leg.br

--

--

Pauta Musical
Pauta Musical

Written by Pauta Musical

Programa temático, educativo e cultural voltado à formação de plateia em música erudita, no ar desde 2008 pela Rádio Câmara em Brasília e 2600 rádios parceiras.

No responses yet