Sinfonia Patética
Tributo a um dos mais célebres melodistas da história da música nesta edição do programa Pauta Musical. Na passagem dos 130 anos do falecimento de Pyotr Ilyitch Tchaikovsky, a orquestra Filarmônica de Berlim regida pelo maestro Herbert von Karajan interpreta a Sinfonia n. 6 em Si menor Op. 74 “Patética”, última do compositor, considerada como um enigmático testamento.
Nesta nota você tem acesso à playlist completa e excertos do roteiro. Esta edição foi transmitida nos dias 05 e 06 de agosto de 2023, às 7h30 e às 22h, respectivamente, na Rádio Câmara FM 96,9, com apresentação de Ana Lucia Andrade. Para ouvir o programa em streaming clique AQUI.
Playlist
Sinfonia n. 6 em Si menor Op. 74 “Patética” (Tchaikovsky)
Filarmônica de Berlim
Herbert von Karajan (regente)
Roteiro (excertos)
Século XX, 1939. Início da Segunda Guerra Mundial. Numa famosa declaração, Winston Churchill descrevia a Rússia como “um enigma, envolto em um mistério, dentro de um enigma”. Num paralelo temporal e analogia, talvez o mesmo sentido possa ser empregado à sinfonia final de Pyotr Ilyitch Tchaikovsky. Poucas partituras despertaram tão alto grau de especulação em relação a significados secretos, códigos, ressonâncias autobiográficas e intenções autorais. Para muitos, tal especulação provém de declarações expressadas pelo próprio Tchaikovsky sobre a obra, evasivas e enigmáticas, aliadas a circunstâncias de sua vida que também denotaram papéis significativos. Seja o que for, essa poderosa composição — de viés trágico, talvez sem par na tradição sinfônica — parece exigir explicação. Ao que parece, o testamento de um homem atormentado por seus conflitos interiores e pressionado pela sociedade da época, firmado às vésperas de sua morte. Lento, rápido, belas melodias, passagens tensas e sombrias: a perturbadora charada musical de Tchaikovsky.
Século XIX, 1889. Cerca de 1 ano após completar sua Quinta Sinfonia, Tchaikovsky escreveu a um amigo revelando o desejo em compor uma sinfonia um tanto quanto grandiosa, que serviria para coroar sua carreira artística, esperando não morrer sem levar adiante aquela intenção. O tempo passava, mas a ideia não. Escreveu a outro amigo revelando então que a nova grande composição teria um programa secreto. Tal tipo de programa delineava de certo modo suas 2 sinfonias anteriores. A Quarta, teve como inspiração a luta de um indivíduo com o destino. Uma luta não resolvida com a conclusão da sinfonia. A Quinta, igualmente preocupada com uma total submissão diante do destino. Inescrutáveis desígnios da Providência. Em ambas as sinfonias há um motivo que parece associado a esse destino inescrutável, que se repete em múltiplos movimentos. Ao passo em que na Quarta se mantém malévolo ao longo da sinfonia, a ideia musical comparável da Quinta se transforma de força sinistra em força positiva e leva a obra a um final triunfante. Após deixar de lado aquela que ficou conhecida como sua Sinfonia Inacabada, Tchaikovsky se lançou na composição de algo diferente: uma inovação na forma, que culminou num finale de prolongado adagio ao invés do habitual allegro. A graça de uma melodia valsante, em contraponto à tensão anterior, e a sensação do destino que pode se abater a qualquer instante.
A ideia de Tchaikovsky para a Sexta Sinfonia era a de que contivesse um argumento, em si impregnado de subjetividade, e de que permanecesse um enigma para todos. Se intitularia “Sinfonia Programática”, por sua vez ensejando uma curiosidade sobre o programa, que ele não queria revelar. Foi quando, após uma sugestão de que se chamasse “Sinfonia Trágica”, veio o definitivo batismo por “Sinfonia Patética”. A palavra em russo, Pateticheskaya, assumindo o significado grego do Pathos, de ‘apaixonada’, ‘emocional’ — à época, ‘com o coração’. O frágil equilíbrio em que repousa a felicidade e o implacável destino ‘todo poderoso’ que faz sucumbir.
Vida, amor, decepção e morte. Dedicada ao sobrinho Vladimir Davydov, cercada de sugestivos, porém, indecifráveis mistérios, a Sexta Sinfonia de Tchaikovsky estreou em São Petersburgo, 1893, regida pelo compositor, que morreria 9 dias depois, de causa jamais comprovada. Para ele, o público quedou algo surpreso e perplexo. Como num réquiem próprio, conta-se que terminada a última nota, Tchaikovsky lentamente foi arriando a batuta. Ouviu-se silêncio sepulcral. Ao invés de aplausos, abafados soluços ecoavam de vários cantos. Público paralisado, Tchaikovsky parado. Lá ficou, de cabeça curvada. “O destino é a força fatal que impede esperança e alegria de serem realizadas, e que assiste e vigia, enciumado, para comprovar que a felicidade nunca é completa.” São dele as palavras. Suas sinfonias eram como “confissões musicais”, capazes de “expressar tudo aquilo para o qual não existem palavras”. O destino e a morte estavam à espera. Aguardavam desde o início. Obra carregada de símbolos e conotações em que o compositor expurgou sua angústia e tormento. A lúgubre e soturna despedida do compositor. Finale elegíaco, langoroso. Uma pulsação que começa a ralentar e termina por morrer.
Já foi dito que “experimentar a Rússia é como experimentar um realismo mágico — para o observador, tudo parece tão real quanto real pode ser e, ao mesmo tempo, algo está um pouco estranho, fora do lugar ou bizarro”. Famoso poema de Fyodor Tyutchev, utilizado num famoso comercial de vodka russa, diz que “A Rússia não pode ser entendida com a mente.” Pois misterioso, secreto ou enigmático, quem buscar compreender o russo Tchaikovsky bem poderá fazê-lo pelo rico tesouro musical que criou. Uma verdadeira montanha russa de emoções! Aí está a sua essência, seu verdadeiro eu, seu nome e seu coração.
Até a próxima edição, em mais um passeio pela magia da música erudita! Uma produção da MUSICABILE em parceria com a Rádio Câmara — Brasília, Governo Federal. Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal, transmitido pela rede legislativa e rádios parceiras em todo o Brasil. Direção e apresentação: Ana Lucia Andrade. Trabalhos técnicos: Ricardo Coelho. Acompanhe, curta, compartilhe! Envie comentários e sugestões pelas redes sociais da Rádio e redes sociais do programa. Para ouvir novamente, ou ao vivo pela internet, acesse radio.camara.leg.br.